Já há alguns anos as fake news são pivô de controvérsias no mundo inteiro, que geram consequências que vão desde brigas entre familiares a crises institucionais.
No Brasil, o inquérito das fake news é um objeto incontornável para quem acompanha o noticiário. Essa investigação policial bastante heterodoxa foi criada em 2019 para apurar calúnias, ameaças e notícias fraudulentas (também chamadas “fake news”).
Frequentemente, há confusões e polêmicas em torno da designação “fake news”. Por isso, organizamos este artigo para esclarecer de maneira breve o tema amplo e aspectos específicos do inquérito.
O que são fake news?
O termo “fake news” traduz literalmente do inglês como “notícias falsas”. A expressão ganhou popularidade ao ser usada muitas vezes pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump em sua campanha presidencial em 2016.
Trump acusava a mídia de caluniá-lo com “fake news”, ligando-o a esquemas de desinformação de origem russa, que manipularam a opinião pública dos EUA a seu favor.
Apesar de não haver novidades na criação e na difusão de boatos para obter vantagens ou prejudicar alguém, a novidade que coloca as “notícias falsas” em evidência hoje são as facilidades e desafios impostos pelas mídias eletrônicas.
O uso da internet, especificamente de sites, correntes de WhatsApp e postagens em redes sociais, aumenta a velocidade com que as mensagens falsas se espalham. Pessoas tomam decisões com base nas informações disponíveis e, portanto, essa difusão muitas vezes traz implicações práticas enormes para indivíduos, famílias ou para a sociedade.
Quais são os perigos da fake news
Há níveis variáveis de perigos nas notícias falsas. Com a facilidade virtual de espalhar mensagens a milhares de pessoas num só disparo, os danos podem ser maiores. A manipulação em massa da opinião pública pode ser feita com o envio de desinformação a grandes quantidades de pessoas para que elas adotem determinadas posturas e opiniões.
O diferencial que as redes sociais trazem é a segmentação de públicos, que permite moldar uma mesma mensagem em uma linguagem mais eficaz para variados perfis de leitor. Assim, determinados grupos podem fomentar discursos de ódio contra minorias, coagir pessoas virtualmente ou motivar agressões pessoais, minar a confiança nas instituições, entre outras finalidades daninhas.
No âmbito das fofocas e mentiras espalhadas entre um grupo pequeno de pessoas, o resultado pode vir na forma de danos na vida profissional, familiar e afetiva. A depender do caso, podem motivar processos por calúnia, injúria ou difamação.
A perseguição e a perpetuação de crimes também podem ser casos extremos das fake news. No Brasil, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi confundida com a autora de um crime que sequer existiu, sendo linchada e morta por isso em 2014.
O crime aconteceu no Guarujá, quando um grupo de pessoas se mobilizou para castigar uma fictícia sequestradora de crianças para rituais de magia negra, noticiada pela página Guarujá Alerta, no Facebook. Fabiane foi identificada por esse grupo como a criminosa inexistente, agredida brutalmente em casa.
O que é o inquérito das fake news?
O Inquérito 4.781, vulgo inquérito das fake news, é uma investigação policial aberta pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, para apurar denúncias caluniosas, notícias falsas e ameaças aos membros do STF.
O ministro Alexandre de Moraes é o relator (responsável) pela condução das investigações e pela conclusão. O inquérito já motivou várias operações, incluindo mandados de busca e apreensão, coletas de relatos de testemunhas e suspeitos.
As investigações de Moraes o levaram a concluir que existe um “gabinete do ódio”, que é um grupo dedicado a disseminar:
“Notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, entre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática.”
Empresários e políticos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro foram identificados como operadores desse “gabinete” e 11 parlamentares foram identificados como envolvidos no financiamento de manifestações antidemocráticas, tendo seus sigilos bancários quebrados pelo STF. O Inquérito 4.781 deve durar pelo menos até o final de 2021.
O inquérito das fake news é legal?
A legalidade do inquérito das fake news é eivada de dúvidas, desde sua instauração até sua condução atual. Em primeiro lugar, a investigação foi aberta por iniciativa do então presidente do STF, Dias Toffoli. A lei determina que apenas a Procuradoria Geral da República ou a Polícia Federal têm competência para iniciar investigações.
A fundamentação usada para que o STF pudesse abrir o inquérito é o artigo 43 do regimento interno da Corte, que pode ser invocado apenas em caso de infração à lei na sede ou nas dependências do tribunal – situação em que não se enquadravam as ameaças identificadas pelos ministros.
O ministro Dias Toffoli nomeou diretamente o ministro Alexandre de Moraes como relator do inquérito, no lugar da conduta típica, que seria o sorteio entre os magistrados.
Outra irregularidade do inquérito iniciado em 15 de março de 2019 é que sua duração e os alvos de investigação são indeterminados. O artigo 10º do Código de Processo Penal estipula entre 10 e 30 dias a duração de um inquérito policial.
Diante de tantas irregularidades, observadores do meio jurídico tiveram opiniões diversas. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George de Cruz da Nóbrega, declarou em entrevista à Folha de S. Paulo que a investigação foi instaurada com um vício de origem, resultando num julgamento parcial. Porém, muitas associações de classe de juízes e advogados (OAB, Ajufe, AMB) manifestaram-se confirmando a legalidade do inquérito.
O inquérito das fake news foi contestado em juízo, numa Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pelo partido Rede Sustentabilidade. Dos 11 ministros da Corte, 10 julgaram em 18 de junho de 2020 que a investigação está de acordo com a Constituição e determinaram sua continuidade – e assim temos seguido desde então.
Os investigados e as punições
Apesar de as investigações acontecerem em sigilo judicial, uma série de pessoas já foram publicamente submetidas a mandados de busca e apreensão, incluindo deputados, blogueiros, ativistas políticos de direita e empresários.
De acordo com o ministro Moraes, relatórios técnicos que embasam a investigação “constataram a existência de um mecanismo coordenado de criação de fake news”, e há indícios de uma “associação criminosa” com financiamento empresarial.
A punição para investigados que porventura sejam identificados como culpados no processo decorrente da investigação pode variar, conforme o delito encontrado:
- Associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) – união de três ou mais pessoas com a finalidade de cometer crimes. Pode levar à prisão por 1 a 3 anos.
- Calúnia (art. 138 do CP) – caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
- Difamação (art. 139 do CP) – difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
- Injúria (art. 140 do CP) – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
As notícias fraudulentas e a possibilidade de espalhá-las de maneira rápida e inconsequente são problemas que impõem novos modos de agir e pensar. Conheça mais temas de interesse público, atualidades e tecnologia no blog da Graduação da FIA.
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